Fico sempre algo perplexo quando ouço responsáveis religiosos abordar o tema do respeito pelas crenças. Das suas e das dos outros. Ninguém, hoje em dia, se atreve, publicamente, a pôr em causa o princípio da liberdade religiosa e do respeito que devemos guardar pelas confissões religiosas. Consensual é também, pelo menos no dito Mundo Ocidental, o respeito pela
Declaração Universal dos Direitos Humanos. Mesmo nos países onde se cometem violações diárias de tais direitos, eles são defendidos pelos responsáveis políticos, embora, dizem, salvaguardando a sua cultura e costumes.
No entanto, observando a doutrina e a prática das religiões mais difundidas e, com especial relevo, para os católicos e islâmicos, vemos que se torna quase impossível conciliar ambos os discursos.
Ao longo da sua história o cristianismo, cujos os princípios se encontram nos Livros Sagrados (Bíblia), foi actor de violações grosseiras dos mais elementares direitos do homem, mesmo tendo em conta as regras éticas e morais das diferentes épocas que atravessou. Se pusermos de lado a prática, que pode sempre ser desculpada pela fraqueza humana, e nos debruçarmos apenas sobre o conteúdo da Bíblia e pela doutrina emanada pelo Vaticano, vemos preconizadas inúmeras violações de direitos humanos. Principalmente se tivermos em conta que as mulheres representam mais de metade da humanidade. Durante muito tempo a igreja católica recusou o culto da mãe de Jesus e, quando ele foi aceite, ela teve de ter concebido o filho, sem recurso ao pecaminoso sexo reprodutivo. Maria, só mesmo Virgem. E veja-se a prática actual que nega o sacerdócio às mulheres e o direito ao casamento dos sacerdotes. A mulher é ainda olhada como ser humano de 2ª, embora encha as igrejas.
Quanto aos povos muçulmanos é melhor nem falar. Aí, com mais ou menos rigor, a mulher nem estatuto de ser humano tem. Na maioria dos casos nem participa dos actos religiosos. E o mais grave é que essa prática e doutrina está consagrada por inúmeras leis que violam, grosseiramente, vários direitos humanos.
Recentemente, D. José Policarpo veio pôr a nu aquilo que já está à vista de muitos. Casamentos religiosos mistos entre católicas e muçulmanos dá mau resultado. Eu diria que veio também mostrar que o respeito pelas crenças e costumes dos outros é uma hipocrisia.
Como respeitar as crenças, e as práticas que delas advém, e defender que a Declaração dos Direitos Humanos é Universal? Teremos o direito de, defendendo tais princípios, combater essas crenças e práticas. Combater pela palavra, pela política, pela economia e, até, pela força? Ou será que devemos privilegiar o respeito pelas tradições, leis, e religião dos povos que, em função dessa prática social, violam, diária e brutalmente, a Universal Declaração?
E como será visto por esses crentes o comportamento daqueles que não partilham essa fé? A tolerância não é uma prática comum nesse capítulo. A igreja católica tenta, por todos os meios, fazer lei das suas convicções. Tenta obrigar todos nós, mesmos os ateus ou de outras crenças, a viver segundo valores que deveriam ser só deles. No entanto, numa atitude ecuménica, dizem respeitar outros credos.
No mundo que respeita o
Corão tem-se assistido a uma radicalização crescente e uma declaração de guerra santa aos infiéis
. Mesmo nos países islâmicos em que a sociedade é mais laica, as vozes da
fatah vão ganhando adeptos. Mesmo aqueles não fundamentalistas, com uma visão menos religiosa e uma atitude mais permissiva das sociedades, são, frequentemente, muito críticos dos costumes do mundo ocidental, particularmente no que se refere ao lugar da mulher na sociedade.
Poderemos deixar de fora deste dilema o respeito pelo conhecimento cientifico? Como conciliar a verdade da ciência com a crença religiosa? Não me refiro à fé filosófica da existência de uma entidade divina, mas sim aos dogmas com raízes num passado sem ciência, que as igrejas se empenharam em reduzir, fazendo valer o texto das escrituras sagradas para explicar a origem do homem.